Álvaro de Campos: Arrumo melhor a mala com os olhos de…

Arrumo melhor a mala com os olhos de pensar em arrumar Que com arrumação das mãos factícias (e creio que digo bem) Acendo o cigarro para adiar a viagem, Para adiar todas as viagens. Para adiar o universo inteiro.

Volta amanhã, realidade! Basta por hoje, gentes! Adia-te, presente absoluto! Mais vale não ser que ser assim.

Comprem chocolates à criança a quem sucedi por erro, E tirem a tabuleta porque amanhã é infinito.

Mas tenho que arrumar mala, Tenho por força que arrumar a mala, A mala.

Não posso levar as camisas na hipótese e a mala na razão. Sim, toda a vida tenho tido que arrumar a mala. Mas também, toda a vida, tenho ficado sentado sobre o canto das camisas empilhadas, A ruminar, como um boi que não chegou a Ápis, destino.

Tenho que arrumar a mala de ser. Tenho que existir a arrumar malas. A cinza do cigarro cai sobre a camisa de cima do monte. Olho para o lado, verifico que estou a dormir. Sei só que tenho que arrumar a mala, E que os desertos são grandes e tudo é deserto, E qualquer parábola a respeito disto, mas dessa é que já me esqueci.

Ergo-me de repente todos os Césares. Vou definitivamente arrumar a mala. Arre, hei de arrumá-la e fechá-la; Hei de vê-la levar de aqui, Hei de existir independentemente dela.

Grandes são os desertos e tudo é deserto, Salvo erro, naturalmente. Pobre da alma humana com oásis só no deserto ao lado!

Mais vale arrumar a mala. Fim.

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