Arcise Câmara: Não foram registrados vários momentos…

Não foram registrados vários momentos de minha história

Naquele pequeno mundo da minha infância, onde todos se conheciam e se respeitavam a gente só aparecia nas fotos em datas comemorativas, a memória fotográfica da época era a nossa mente. Eu queria agradecer a gentileza de não ter nascido na atualidade em que cada passo é registrado por câmeras ultramodernas, com uma supervalorização e exposição do eu. A gente registra tudo, a fase zangada e a carinhosa, o homem com o qual estamos acompanhadas, a gentileza do convite de aniversário, os incentivos e presentes que ganhamos, o peso que perdemos, o sangue que doamos. O desequilíbrio da superexposição não nos atinge, não parece grave ou nocivo, nem um tanto egoísta se o interesse for ?likes?. A gente posta o álcool e as sobremesas. Fazemos textão quando rompemos o namoro, apagamos foto quando a dissolução é definitiva (às vezes nem é), brigamos com plateia, pisamos em ovos para sermos felizes o tempo todo. Compulsivamente postamos comida e aquele restaurante da moda, escrevemos longos e humilhantes e-mails, a vida virtual supera a presencial em trocentos aspectos. Não sofremos mais tantas críticas ou preconceitos sociais por nosso comportamento livre, pela experiência não mais impactante do nascimento de filho sem pai. A gente deixou para trás as conversas importantes e delicadas, deixamos para trás a sensibilidade das relações, deixamos para trás o trato importante com as crianças e o pulso firme de seus pais. Tudo que já foi ensinado está se desmoronando, a gente deixou de impor nossos poderes a quem amamos, a gente deixou as coisas fluírem sem rédeas, a gente só faz questão de sorrisos grudados no rosto e aquela falsa impressão de felicidade plena.

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