Nem todo garoto foi esperto. Nem toda criança teve estrutura. Nem todo mundo nasceu virado pra lua. Queria ter sido apresentado pra outra vida, mas a minha foi dura. Desestimulado desde Pirralho, não me dava bem na escola. – ?Vai acabar sendo palhaço?. Era o conselho que a Diretora me dava. Acabei ficando revoltado! Com o currículo nas mãos fui correr atrás, cai no mundão. Todas as empresas de Telemarketing sabiam o meu nome. As redes de fast-food então, até meu codinome. Queria ter sido Martin, Malcolm X, mas de King, só me restou o Burger! Não que fosse degradante, mas não aguentava mais ser humilhado por um bando de burguês que nunca tinha trabalhado. Tá fácil! Ser branco, e não ser operário. Não fazer parte da classe que só sai no noticiário! Acha que é normal: – Só ter preto algemado? Isso deve ser o seu racismo te deixando embriagado. Infelizmente foi isso aí. Desde criança desacreditado. Que eu não podia muito mais do que alguns centavos. E que eu tinha que ficar contente, de ter um emprego, e de sorrir, mostrar os dentes. Era o que esperavam da gente, dos favelados. Pois é assim que a gente é mostrado na novela. Que na favela tá todo mundo contente, que não existe tristeza, mas não olham de perto a história da gente! 127 anos de escravidão, e a gente continua sendo escravo, irmão. Apenas a colocação mudou, agora é diferente, carteira assinada, senzala da mente. Estamos fadados, e cansados. Revoltados! E aí tenta culpar, o menor que desacreditado começou a traficar. Já foi ver os benefícios da empresa do crime? Aposto que ficaria tentando… Se tivesse tido a mesma vida que eu tive. Eu sei, eu sei… Não é todo mundo que aceita. Mas se todo mundo fosse igual, irmão. A gente tava bem, ou não. Eu sei é da minha realidade, sai porta afora do shopping, não tinha mais vontade. Daqui 20 anos talvez eu fizesse uma faculdade, ou fosse nomeado gerente. São 20 anos de esperança, e a gente cansa. Lá na Boca a felicidade é muito menos latente. Pode me chamar de fraco, eu não ligo. Porque quando olho pra história da minha vida, eu justifico. Não fui ensinado a esperar, muito menos a acreditar, até porque… O que mais podiam me oferecer? Eu tinha que aceitar, né, não? Que nem todo pobre é ladrão, então aceita sua condição, tem arroz, feijão? Então fica feliz, meu irmão. Porque é isso que a gente merece. SER LIMPINHO E NÃO PASSAR FOME. Porque só rico pode desejar. A gente tem que acreditar numa tal: meritroc meri, me… cracia…
– Deixa pra lá.