Ernesto Cardenal: SALMO DO HOMEM QUE VÊ A REALIDADE E…

SALMO DO HOMEM QUE VÊ A REALIDADE E NÃO SE CALA Ouve, Senhor, estes versos que te rezo Ao contemplar a realidade em que vivo. Maltido seja o sistema que não deixa sonhar os poetas Nem permite dizer a verdade a quem pensa. Serão seus dias de luto e de lamento, Porque matou no Homem o mais digno.

Maldito o sistema que não pratica a justiça E persegue e tortura e encarcera a quem anuncia. Terá que justificar sua conduta ante a história E não encontrará nenhuma palavra de defesa.

Maldito seja o sistema que só procura a aparência de grandeza Quando estão morrendo de fome os homens nas suas fronteiras; Do mesmo modo que progrediu cairá, Porque construiu seus alicerces Sobre corpos vivos e sangues inocentes.

Maldito o sistema que tenta matar no homem a dimensão de transcendência E coloca no seu lugar o ?deus dinheiro? , o ?deus sexo?, e ?deus progresso?, Destruir-se-á por dentro irremissivelmente, Porque o coração do homem foi bem feito E ninguém pode matar em nós Esta sede de infinito que nos queima.

Feliz será, porém, O homem que bebe água na fonte da praça junto ao povo, Não terá motivos para se envergonhar de nada, Nem terá que baixar seus olhos Ante qualquer homem honesto.

Feliz o homem que a força de interiorizar Se fez livre por dentro E não se importa já com a denúncia dos fortes, Serão seus dias como o trigo da terra. Cheios de sol e esperança partilhada E o seguirão os povos da terra.

Feliz o homem que não assiste a reuniões importantes Nem acredita nos discursos do governo; Feliz o homem que assim pensa, Porque terá sempre tranqüila a sua consciência. Mesmo que sofra a incompreensão e até o desprezo.

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