Notas sobre uma Flor
Hoje, quando olho para os lados e enxergo essa massa de gente chata e sem graça, agradeço ao destino por eu ser exatamente como sou. Pelas dificuldades, pela graça, pelo caminho brilhante que Ele me reservou.
Desde cedo eu me criei no mundo, não pude escolher se queria ou não roçar a minha pele na do sujeito ao lado, suado, depois de um dia inteiro de trabalho pesado. A gente sempre dividiu o mesmo trem lotado.
Certa vez, numa de me encostar no canto do vagão e cochilar em pé, eu tive o prazer de conhecer José e sua esposa, dona Maria de Madureira. Os dois levantavam todo dia às 4h da matina para preparar o café com pão que vendiam pros caminhoneiros da Av. Pres. Dutra. Todo santo dia a mesma labuta. Perdi a conta de quantas vezes durante a conversa eles repetiram com orgulho que faziam tudo com muito amor para pagar os estudos dos três filhos na melhor escola da região e para nunca deixar faltar comida na mesa.
Se bem me lembro, esse era o mesmo discurso que eu ouvi desde pequena do meu pai, nordestino do sangue arretado, o maior vencedor na vida que você respeita. Porteiro, pintor, caminhoneiro, faxineiro de sala comercial. Foi tudo que pôde por mim e pelos meus irmãos.
Graças a ele, eu nunca fui todo mundo. Se eu tivesse que ficar em casa no final de semana trancada enquanto toda a turma se divertia, eu ficava. Se eu tivesse que desfilar com meu tênis velho e furado pelo pátio da escola, eu desfilava. Se tivesse que não ter a última geração de bonecas que falava, andava e chorava, eu não tinha. E ponto.
Foi assim que construí meu juízo de valor, aprendendo a me interessar pelo que as pessoas são e não pelo que elas têm. Porque eu mesma nunca tive nada nessa vida além do amor e dedicação desse casal de super-heróis que me ensinou a crescer e aparecer. A correr atrás do meu espaço no mundo. Lutar com unhas e dentes para conquistar meus títulos e tesouros.
Se agora ando pelas ruas com a minha coroa feita de vento e o baú repleto de flores, sorrisos e choro, de toda essa gente que eu carrego no peito e na alma, foi porque eles me ensinaram a sonhar. E a entender que a gente aprende demais olhando fundo nos olhos do outro e ouvindo suas histórias. Porque não adianta ser um doutor pós-graduado que dedica uma existência a ser reconhecido por sua inteligência e cultura, mas esquecer de olhar para as pessoas. De fazer amigos. De sentir empatia. De acumular sabedoria.
Então eu prefiro ser de verdade. Feita de barro e do pedacinho de cada um que passou pela minha vida e dedicou alguns segundos a se entregar para mim. A se render ao meu sorriso de maresia, mar e poesia. A ser meu.