Karina Brandani: Metáfora do último carnaval Hoje,…

Metáfora do último carnaval

Hoje, escrevo não mais no corrosivo esforço de me privar de certas lembranças que me faziam cócegas no estômago. Escrevo porque o papel me convida a preenche-lo como a vida me convida a reescrever abaixo das linhas caligrafadas por uma paixão imediatista, que cansou de tentar virar amor. A página onde continuo a escrita não omite o lembrete que aponta para a recordação do último carnaval, momento exato em que a bateria duma escola de samba inicia o ensaio na pista úmida e quente do meu coração. Ao me ver rodopiando em seus braços tal como a porta bandeira vejo você num riso solto, dançávamos só porque era um com o outro. E dançamos, dançamos meses afora o enredo composto por nós e nossos nós. Mas a música agora parou de tocar. A euforia da bateria que resplandecia sem tréguas foi se calando gradativamente. O espetáculo acabou na linha certa de chegada. Nossos olhos se cruzaram num cumprimento de gratidão, nossas mãos se alcançaram lassas e nossos lábios tocaram o ar por detrás de nossas orelhas. Não há mais fantasias, nem luzes, nem plateia, nem nós, nem nossos nós, nem nada. Aproveito o momento, risco com marca texto esse episódio, para lembrar e reviver sempre o tempo em que meus pés não se cansavam se dançar. Nas imagens repassadas diante dos meus olhos, me vejo bonita, me vejo incrível, e nesta hora me vejo nas imediações do próximo carnaval. Haverá música novamente! Retiro a caneta vermelha do porta lápis e tracejo à risco marcante a linha onde se encerra a narrativa. Agora me restam linhas em branco no papel, e isso me deixa extasiada, me encanta continuar escrevendo, e descortinando novos personagens, além dos principais para compor comigo uma nova página.

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