Despertaste, acordaste e da cama levantaste De seguida te exercitaste e ao espelho se olhaste Confiante sorriste, três palavras pronunciaste: (Serei feliz hoje), saíste e caminhaste
Não tardou, o vizinho já reclamava (Comida não sobrou?) desesperado se apalpava Nos bolsos revistou e nada encontrava Na carteira confirmou que o vazio espreitava
Ignoraste e continuaste com um sorriso falso Mas logo se cruzaste com um descamisado e descalço No peito exclamaste, (o que faz o Pai da criança!) Fingiste que não reparaste e aceleraste logo o passo
Na vida há contrastes, muitos padecem com o escasso E se ainda não notaste, partilhamos do mesmo espaço Mas poucos estendem o braço, muitos têm o coração de aço Até quem tu votaste, não deseja seu avanço
E melhor é para eles que continues assim Pobre, pouco nobre, com cobre, sem marfim Sem viver, a sobreviver, esperando seu fim Censurado, sentado a ver a impunidade ao motim
Desgraçado assumido com vergonha de não ter Este verso é agressivo mas tinha de o escrever Desgraçado foste parido sei que não o quiseste ser Mas se todos vamos morrer, que diferença irá fazer?
Já chegavas ao destino pelo caminho percorrido Já nem lembravas do menino e o inquilino foi esquecido Trabalhador como tu é seu vizinho empobrecido Aquele senhor comum pelo sistema esmorecido
Pela porta envidraçada já notavas a secretária Aprumada, bem apresentada, aparentemente hilária Conversa curta, retórica, típica e diária Despediste e se ajuntaste a sua classe operária
O patrão no escritório, um licenciado estrangeiro Tem mais do que precisa, mulheres, casas e dinheiro Trabalha noite e dia, é ambicioso em demasia Não tem tempo para família, corrompido pela marcomania
Enquanto enche o bolso, sua humanidade esvazia Ao espelho é o colosso cadente de empatia E vai descendo o fosso por uma escadaria Achando que sai do poço por falta de sabedoria
Ser rico não é fácil pior ainda é ser feliz Riqueza e sucesso é conseguir o que eu quis Isso não trás satisfação, olhe para qualquer actriz Felicidade é aceitação do que tens, é o que se diz
Pobre ou Rico o final é um só Chegamos cá sem nada e assim retomamos ao pó Sem roupa da moda ou a vergonha do rococó A morte anda em roda ceifando a todos sem dó.