Não sei por onde começar, há tanto por dizer Mas sei o que dizer, doa a quem doer Nascemos para viver, há quem vive para sofrer Nascemos sem nada ter e morremos sem o obter
Periferia é o lugar distante do centro urbano Desprovido de quase tudo que é básico ao ser humano Prometem-nos melhorias, de cinco em cinco anos E na campanha o político profere os clássicos enganos
Ninguém olha por nós, ninguém ouve a nossa voz Ninguém sente por nós quando nos falta pão e arroz Vivemos ao «deus dará», jeová, buda ou alá Mas enquanto nenhum dá, lutaremos a sós por cá
Com os meios que possuímos, com o pouco que temos Até onde conseguirmos, enquanto ainda vivermos A vontade não é pouca, motivação não nos falta (Olha só para esta roupa, que já é de longa data)
Água entra quando chove, por baixo e por cima À noite ninguém dorme, a casa fica uma piscina As crianças deitam-se na mesa, não há como usar a esteira Os adultos a espera do sol, é assim, não há maneira
E quando a chuva passa, chega a cólera e a malária Enchem filas nos hospitais, cadáveres em mortuárias Por simples falta de drenagem em uma rede viária Já nem dá para reportagem, esta é a rotina diária.
Energia eléctrica oscila como piscadelas Postes sem iluminação permitem crimes nas vielas Aqui é mesmo assim, jantar à luz de velas Não é romantismo, daí, fechamos as janelas
Água na torneira fecha antes da tarde A pressão é baixa, levo horas num balde Muitas vezes nem sai e chega factura do FIPAG A qualidade é baixa e ainda querem que eu pague?
Já não bastam as taxas e os impostos? Só se lembram daqui quando querem votos No meu bairro nada muda, só aumenta o agregado Nove cabeças na mesma casa com um mínimo ordenado
O que será do futuro desta nova geração? Se salário não dá para pão, imagina para educação Daí que muitos jovens se entregam a exploração Lambendo botas de um patrão em troca do cifrão
A vida é bela só na tela, quando passa a telenovela Na periferia é só mazela, cada casa é como cela Mulheres se entregam a vida ou a pilotar panelas Homens acabam em obras ou em biscates nas ruelas
A todos aqueles que sonham em sair daqui um dia Lembrem-se que vossas raízes estão na periferia Dêem um pedaço de vós, pratiquem a filantropia Só ajudando a maioria, viverão em alegria.