Lua Perez: é domingo o carro que dá partida é o…

é domingo o carro que dá partida é o mesmo há alguns anos o caminho é quase o mesmo a mesma estrada os mesmos lamaçais os mesmos vira-latas nas calçadas as mesmas bicicletas talvez sejam os mesmos os homens que ali vendem abacaxis a senhorinha da barraca de verduras ainda é a mesma

O paradoxo da pobreza material e da riqueza daquele ar romântico e meio bucólico são os mesmos

as mesmas galinhas nos quintais o cavalo que puxa a carroça o pasto o curral o Sol que reflete na vegetação o trem que anuncia passagem todos ainda são os mesmos

entro pela mesma porta encontro ali a mesma poltrona a TV ligada no mesmo canal o mesmo café o mesmo bolo de fim de tarde

a rotina é a mesma um passeio pelas plantinhas da varanda antes de pôr a mesa uma indicação de um remedinho pra tosse antes de partir exatamente a mesma Helena exatamente o mesmo João

eu, que há muito já não sou a mesma minha cor preferida já é outra já não leio a mesma coleção de livros do Pedro Bandeira já não vejo mais os filmes de antes e a cada instante mudo um pouco mais

conservo exatamente a mesma vontade de que aquilo contrarie o tempo e a natureza e permaneça naquele mesmo vazio de grandes construções atrás daquele mesmo trilho de trem e que a cada domingo que a vida guarde baste atravessar a mesma estrada o mesmo lamaçal e aquele amor continuará ali exatamente o mesmo desde o meu primeiro abrir e fechar de olhos há vinte e dois anos atrás

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