Tem uma mulher que eu amo. Olhos doídos, pálpebras mornas. Já acalentou crianças, deu-lhes o corpo, alimentou, limpou suas lágrimas, fez sorrir com voz calma. Filhos, talvez netos. Soube renascer neles tantas vezes. Conhece a fragilidade humana. Eu beijo os lábios fechados dessa mulher, a partir dos cantos, em pequenas lascas de ternura e queda no vazio. Essa mulher viveu coisas que me abastecem. Ela fala de alegrias, de sóis, sobremesas, decotes, livros, enganos. Vai falando e contornando dores com pequenas pausas, no que os cílios superiores tocam os cílios inferiores demoradamente, e ela afunda. Aperto sua mão e ela emerge. Enquanto a ouço, beijo seus olhos. Digo-lhe que é uma mulher, ainda.