Um telefone toca num fim de tarde, começo de noite . . .
* Alô? * Pronto. Ele: – Voz estranha… Gripada? Ela: – Faringite. Ele: – Deve ser o sereno. No mínimo tá saindo todas as noites pra badalar. Ela: – E se estivesse? Algum problema? Ele: – Não, imagina! Agora, você é uma mulher livre. Ela: – E você? Sua voz também está diferente. Faringite? Ele: – Constipado. Ela: – Constipado? Você nunca usou esta palavra na vida. Ele: – A gente aprende. Ela: – Tá vendo? A separação serviu para alguma coisa. Ele: – Viver sozinho é bom. A gente cresce. Ela: – Você sempre viveu sozinho. Até quando casado só fez o que quis. Ele: – Maldade sua, pois deixei de lado várias coisas quando a gente se casou. Ela: – Evidente! Só faltava você continuar rebolando nas discotecas com as amigas. Ele: – Já você não abriu mão de nada. Não deixou de ver novela, passear no shopping, comprar jóias, conversar ao telefone com as amigas durante horas.
. . . Silêncio . . .
Ela: – Comprar jóias? De onde você tirou essa idéia? A única coisa que comprei em quinze anos de casamento foi um par de brincos. Ele: – Quinze anos? Pensei que fosse bem menos. Ela: – A memória dos homens é um caso de polícia! Ele: – Mas conversar com as amigas no telefone … Ela: – Solidão, meu caro, cansaço … Trabalhar fora, cuidar das crianças e ainda preparar o jantar para o HERÓI que chega à noite… Convenhamos, não chega a ser uma roda-gigante de emoções … Ele: – Você nunca reclamou disso. Ela: – E você me perguntou alguma vez? Ele: – Lá vem você de novo… As poucas coisas que eu achava que estavam certas… Isso também era errado!? Ela: – Evidente, a gente não conversava nunca … Ele: – Faltou diálogo, é isso? Na hora, ninguém fala nada. Aparece um impasse e as mulheres não reclamam. Depois, dizem que Faltou diálogo. As mulheres são de Marte ! Ela: – E vocês são de Saturno!
. . . Silêncio . . .
Ele: – E aí, como vai a vida? Ela: – Nunca estive tão bem. Livre para pensar, ninguém pra Me dizer o que devo fazer … Ele: – E isso é bom? Ela: – Pense o que quiser, mas quinze anos de jornada são de enlouquecer qualquer uma. Ele: – Eu nunca fui autoritário! Ela: – Também nunca foi compreensivo! Ele: – Jamais dei a entender que era perfeito. Tenho minhas limitações como qualquer mortal … Ela: – Limitado e omisso como qualquer mortal. Ele: – Você nunca foi irônica. Ela: – Isso a gente aprende também. Ele: – Eu sempre te apoiei. Ela: – Lógico. Se não me engano foi no segundo mês de casamento que você lavou a única louça da tua vida. Um apoio inestimável … Sinceramente, eu não sei o que faria sem você? Ou você acha que fazer vinte caipirinhas numa tarde para um bando de marmanjos que assistem ao jogo da Copa do Mundo era realmente o meu grande objetivo na vida ? Ele: – Do que você está falando? Ela: – Ah, não lembra? Ele: – Ana, eu detesto futebol. Ela: – Ana!? Esqueceu meu nome também? Alexandre, você ficou louco? Ele: – Alexandre? Meu nome é Ronaldo!
. . . Silêncio . . .
Ele: – De onde está falando? Ela: – 2578 9922 Ele: – Não é o 2578 9222? Ela: – Não. Ele: – Ah, desculpe, foi engano.
Depois de um tempo ambos caem na gargalhada.
Ele: Quer dizer que você faz uma ótima caipirinha, hein? Ela: – Modéstia à parte… Mas não gosto, prefiro vinho tinto. Ele: – Mesmo? Vinho é a minha bebida preferida! Ela: – E detesta futebol? Ele: – Deus me livre… 22 caras correndo atrás de uma bola… Acho ridículo! Ela: – Bem, você me dá licença, mas eu vou preparar o jantar. Ele: – Que pena… O meu já está pronto. Risoto, minha especialidade! Ela: – Mentira! É o meu prato predileto… Ele: – Mesmo! Bem, a porção dá pra dois, e estou abrindo um Chianti também. Você não gostaria de… Ela: – Adoraria!
Ele dá o endereço.
… CUIDADO COM AS LINHAS CRUZADAS …