Manuel António Pina: Primeiro abre-se a porta por dentro…

Primeiro abre-se a porta por dentro sobre a tela imatura onde previamente se escreveram palavras antigas: o cão, o jardim impresente, a mãe para sempre morta.

Anoiteceu, apagamos a luz e, depois, como uma foto que se guarda na carteira, iluminam-se no quintal as flores da macieira e, no papel de parede, agitam-se as recordações.

Protege-te delas, das recordações, dos seus ócios, das suas conspirações; usa cores morosas, tons mais-que-perfeitos: o rosa para as lágrimas, o azul para os sonhos desfeitos.

Uma casa é as ruínas de uma casa, uma coisa ameaçadora à espera de uma palavra; desenha-a como quem embala um remorso, com algum grau de abstracção e sem um plano rigoroso.

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