Silenciar
Eu tenho ficado muito quieta. Calada, em silêncio. Silêncio na boca e no corpo. Meu maxilar, acostumado com o tanto dizer, dói por tanto ficar imóvel. Tenho aprendido muito na quietação: – É preciso colocar um pano no chão quando for passar roupa, a água do ferro de passar fica pingando. – É preciso varrer o chão após limpar a caixa de areia porque os farelos da areia se espalham por todo lado. – É preciso secar a bancada depois da tampa da panela ser colocada lá, o vapor molha. – É preciso ouvir mais os outros, e somente ouvir. (Muitas vezes as pessoas não precisam de respostas, somente de ouvidos atentos) Quando silencia-se a boca, a mente começa a trabalhar mais e mais depressa. O coração sente mais e bombeia melhor o sangue. O corpo aprende a ouvir o próprio corpo e a consciência desata os nós das suas asas. Os poemas passam a fazer sentido. A música toca o sistema nervoso. Com muita calma, antes de dizer bobagens, a boca – que antes era órgão auto-suficiente – agora concilia seus desejos faláticos com a língua, com os dentes, gengiva e cérebro. Minha boca, de fato, nunca foi boca de dizeres bons. Aproveitava-se da carência, e lá deixava seu sermão, sem ao menos ser convidada para tal. Meu músculo mais forte sempre foi a língua que em um complô envenenava cabeças, olhos e aortas. A mão tentava escrever, mas a boca falava, não deixava calar a voz, nunca! E os textos, todos pequenos, com cara de mal acabados ou mal pensados, eram só uma pequena amostra do que a mão podia fazer. A boca não se abre. O maxilar ainda dói severamente, mas a alma agora respira, agora permite a manifestação da existência, silenciosamente. A boca agora só diz o pontual, somente diz o que o coração e a mente aprovam ser dito. Há muita clareza nos sentimentos e no mundo exterior. Há compressão no mundo dos outros. Muda, a boca sabe se expressar melhor quando diz. O que há boca? Tem medo do mudo? Tem medo da compreensão, restauração, modificação, rotação, translação e emudamento completo? Tem medo que os lábios se colem e nunca mais se abram por falta de exercícios? Você não vai morrer ou atrofiar, você apenas está aprendendo a lidar com uma faceta sua que você mesma escondia; continue fechada, calada. Você ainda pode cantar, mas somente boas canções, caso contrário, vai se manter fechada! Você boca, é mais um pedaço meu que preciso controlar, assim como controlo meus sentimentos. Controlo minha mente pra poder controlar você. Controlo minha carência, minhas vontades e receios. Controlo todos os meus recheios para que você não seja leviana, abusada, indiscreta, indecente e folgada. Você quer parecer que sofre com a mudisse obrigatória, mas a mudança tem libertado você. Os ossos da face andam menos desgastados. Eu, realmente, tenho adorado a experiência do silenciar. Muda eu mudo.