EU PASSARINHO Desolada, sofre o pobre ser. A dor teima e queima devagar aquela alma. O sofrimento adentra os sonhos e os desarruma, De novo, impregna-lhe as narinas, quando já é dia. E assim, como num vício, a tristeza a acompanha pela repetição enfadonha das horas. De longe, assiste tudo o amor amigo. Pensa: é dor de amor apaixonado, é dor de perda, é dor de luto, é dor…seja que dor for, ele conclui, é grande a dor. Não há o que fazer, reflete consigo consternado. Já se ía dando as costas, quando resolveu voltar. Nada tendo o que dizer, sorriu encabulado. Estendeu os braços e a abraçou bem apertado. O ser sofrido chorou…chorou…chorou. Enquanto isso, o abraço amigo a envolvia mais e mais e mais. Na esperança que não lhe esvaísse a vida, permaneceu o amigo ali parado. Sem dar conta das horas, pode perceber qdo ela aprumou a fronte. O que viu foi um rostinho amassado, olhos vermelhos em semblante pálido. Porém, tudo parecia mais leve agora. Na boca trêmula do serzinho envergonhado, um ensaio de sorriso. A voz dócil, quase inaudível, deixa escapar, com dificuldade, um muito obrigada bastante atrapalhado. Despediu-se o amor amigo e se foi. Naquela noite, ela adormece tranquila. Sonha com braços lhe envolvendo os ombros. Protegida naquele abraço, vê um casulo que se rompe numa linda borboleta multicolorida. A borboleta ganha o céu. Seus olhos… distraídos… acompanham o vôo do bichinho, enquanto seu corpo se aninha naquele abraço afetuoso. De repente, a voz a chama pelo nome e diz: –Aquela borboleta é vc. Ela sequer estranha a afirmativa. De fato, aquele abraço lhe fez voar. -E vc, quem é? – Ela pergunta. A voz responde: -Sou quem te quer bem. Então, a moça desmonta em desabafo: – Estou tão decepcionada e com a alma aflita…Foi-se embora o meu amor. -Quem ama, não abandona. Nunca foste por ele amada – argumenta a voz com convicção. Percebendo que os braços se distanciam, a menina se desespera. -Não me deixe vc tbm. Como poderei ter de novo esta sensação tão boa do seu calor? Onde poderei sentir novamente esse seu amor? – Ela pergunta ansiosa. Já longe, mas tão nítida, a voz revela: _O meu amor nunca encontrarás em mil beijos apaixonados, mas sempre o terás em um abraço amigo. O serzinho acordou radiante, sonhou algo, mas não lembrava o quê. Apenas sentia-se amada naquela manhã. O coração estava aquecido por um calor diferente, não lhe parecia passageiro, como das outras vezes. De repente, se viu cantarolando uma música que nem é do seu tempo:.. são as águas de março, fechando o verão, é promessa de vida no seu coração? Ao longo da manhã, vieram à lembrança flashes do sonho que teve. Eram partes desconexas de um todo que não conseguia juntar. Acha que sonhou com uma borboleta colorida. E sonhou com a voz firme, disso tinha certeza. Dizia algo belo e importante. Mas o quê? O quê??? Como se busca uma fresta de luz em túnel escuro, ela franzia a testa e forçava a memória. Percorria alucinada o tempo num giro anti horário, para reviver a sensação do melhor sonho de sua vida. Até que?pufttt…um clarão eclodiu na desejada anamnese. Lembrou, enfim. A voz era um amor amigo! Naquela manhã, descobriu quanto tempo perdemos, insistindo em pessoas, situações ou coisas que só nos abrem feridas. Quantos braços e abraços são cárceres…Contudo, o mais interessante foi descobrir que somos nós quem nos aprisionamos ali e, não, o outro, porque é nossa a escolha de permanecer. Já o calor de quem ama de verdade é diferente, não queima, não arde. É um bem-querer comprometido, em cujos braços vc se sente protegido, no aconchego de um abraço que só lhe traz a paz. Um abraço tão apertado e ao mesmo tempo tão libertador, do tipo que te permite voar, ir e voltar, para sentir de novo, e mais uma vez, e novamente, e sempre, o mesmo amor. É um abraço de um amor respeitoso, que considera o que você quer e quem você é, considera a sua forma e admira o colorido das suas asas. Já o amor apaixonado é criatura efêmera, é intenso e louco, porém tão raso. Por ser quente e voraz, está sempre sedento de mais e mais calor. Nada nunca o satisfaz. E no êxtase dessa busca, ele se auto consome, se dissipa e morre, deixando um rastro de decepção por onde passa. Então a menina, enriquecida em suas reflexões, antes mesmo de tomar o café da manhã, passou a mão no celular e ligou para o amor amigo: -Quer almoçar comigo hj? O rapaz aceita prontamente, mas percebe q a moça está diferente, tem vida na sua voz. Por curiosidade pergunta: -O que deu em vc para se lembrar de mim? Ela riu: -É que, acredite vc ou não, dormindo, eu acordei! Enfim, a vida é mesmo assim, nem tudo que reluz é ouro, já diziam nossos avós. Uma hora a gente acorda e reconhece o a(braço) certo. Num diálogo à moda Mario Quintana, diria o amor amigo ao rival apaixonado (numa gargalhada que beira a vingança): Vc passará e EU PASSARINHO!!!
Mônica Arêas
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