Múcio Bruck: Meu filho, meu algoz… Meus olhos já…

Meu filho, meu algoz…

Meus olhos já não têm o mesmo brilho de antes Meu corpo, já não é aquele: esbelto, ligeiro, jovial Dizem, em versos, que sou anjo, por ser mãe Mãe que sobrevive, apenada, em cárcere meu

Cuida-me um filho que amo, calado, ausente, impaciente Nada reconheço entre as paredes que afirmam ser meu lar Não sei dizer a exata cor das paredes de meu quarto Olho-me no espelho… não sei dizer quem ali se reflete

Sigo os dias a velar as horas, ao pé de uma janela vazia Horas e dias que passam sem me notar, sem nada contar Durmo e acordo em desalento, tendo ao alcance leite e água Deixados pelo filho, que, por vezes, soturnamente me visita

Adormece em mim, a razão, quereres… incompreensões Me fogem lembranças, desaprendi a me amar, a sorrir Convivo com meus temores, meus fantasmas, meu eu Temo a chegada do filho que amo e se dá a machucar-me

Trago marcas em meu corpo, que se renovam A cada aperto, a cada saculejo, a cada dia Fia ele que não compreendo-lhe a impaciência Que não me dói seu estado colérico de me cuidar

Me sinto descartável, írrita, sem valia, enjeitada Anulada em princípios, convencida que inexisto Que sou aquela agraciada com a maternidade Que não sabe em que momento tudo deu errado

Temo a visita de meu filho, meu intolerante algoz Não tenho forças para reagir, se tivesse, não o faria A fome, a sede, a solidão, marcam meu corpo e alma Em aceitação, me convenço a perdoar e me cobro calma

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