Nerisírley Barreira do Nascimento

O doce amargo sabor da bela adormecida

Era uma vez uma moça, no estilo dos sonhos norte-americanos. Loira, de longos cabelos que criavam cachos nas pontas, de bons modos, nariz fino e ingênua. Cantava de forma lírica e era tão submissa que quase não tinha imaginação ou senso de humor. A princesa unigênita de um rico reino. Quão doce que era a linda moça! Inocente, um dia tocou uma agulha envenenada e caiu em sono profundo. Por séculos dormiu e tudo parou. Veio um príncipe e a beijou na esperança da moça acordar e se tornar a princesa dele, mas a moça não acordou. Veio outro príncipe e nada. Mais um. E outro. Vários outros. Todos saiam desencantados. O que havia de errado com eles? Nada! O nome da moça? O seu! O nome da agulha? Clonazepam. E o nome do príncipe, sabe? Também é o seu. Acontece que no mundo real, tudo muda. Aliás, a Física e a Química provam que tudo está em MOVIMENTO. Por isso, permanecer parado para fugir do amanhã é ilusão. E o sono profundo da doce Bela Adormecida causa uma dor profunda e num processo cíclico, ela em sua agonia, toca novamente na agulha. E ficamos como na música do Chico: ?vendo pela janela a banda passar?. De tão bela, a princesa ficou feia. Até a beleza muda. Porque o senso estético transforma-se. Um dia ela acordou e viu as mudanças em torno de si. Desiludida, tornou a tocar na agulha. A moça vegeta legalmente aceita pela sociedade. Que condói-se, até taxar a esperança como fracassada. Esse é o doce amargo da Bela Adormecida. Uma medicação inocente que eu e você deveríamos usar pouco tempo e de vez em quando, com muita precaução recomendada por um médico, de preferência psiquiatra. Mas o Brasil tem tomado cada vez mais deste veneno. Seja você o autor da sua história e não a torne uma estória. Se um dia for a Bela, saiba que a dor faz parte do pacote vida. Torne-se seu príncipe salvador e deixe-se salvar!

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