DIANTE DO PORTÃO, SENTIRÁS UM SILÊNCIO
( Nilo Deyson )
A velha silenciosa casa rangia. Uma velha silenciosa solidão morava ali. Em meio aos lírios do campo e dos crisântemos. Áspera vida aérea de vento. Todos os dias oscilavam as flores, nos fundos tenebrosos daquele quintal dourado pela caridade do sol. Há muito tempo a porta não se abria, mas rangia por dentro de saudades de ninguém. E o lustre da luz banhava o telhado que se congelava com o frio de todo amanhecer, quando um par de pássaros vindo acasalar e fomentar ninhos ali pairava. Se demoravam muito, escolhendo a estação e seus portos seguros. Partiam, desconfiando daquela morada que não mais reconhecia os ventos rarefeitos de horizontes distantes.
A pobre solidão ali se contorcia toda de dor. Dentro da velha casa rangida, resmungando do tempo. Em meio aos dias desconhecidos, quando os quintais se emudeciam sob o passar das sombras no inverno, dois pássaros pequenos se acomodaram dentro de uma das calhas, e depois expulsos pelos repetentes de uma chuva que desatou todas as suas flores e choros nas brincadeiras e alambiques da enxurrada. Nunca mais foram vistos. Nem entrevistos entre as folhagens que cercavam a casa e compunham quadro morto com a copa de uma árvore baixa que não mais gemia quando do alvorecer do vento em seus galhos frágeis, minguados.
Depois desse dia, a casa perdurou muitos meses até se recuperar do profundo sono que a chuva lhe causara, lhe contara um grande sonho. A pobre solidão ali pensava.
Dentro da velha casa tingida de breu. Comungando em sua igreja sem alma. Nunca rezava, apenas ouvia os afagos da ventania que lhe sombrava a vida. E os quintais se emudeciam com o passar da mão do sol pelo chão ainda noturno sob a árvore, de tão sombra . Que o dia se estendia no mar de nuvens do céu, clarão de flor entreaberta. Era verão. E a casa antiga, onde adormecia alguém mais antigo do que ela, a infinita solidão, se condoia toda, com dor nas juntas. E dois pássaros um dia pressagearam em seus telhados impingidos de luz. A casa olhou para o solo e desmoronou. Os pássaros se foram. Era o fim do tempo.
– Nilo Deyson Monteiro Pessanha