Eu posso engolir minha língua, posso morder meu indicador até sangrar, posso respirar dentro do saco de pão até sufocar, mas ela não vai morrer. Eu posso arremessá-la contra o chão gelado do banheiro, pisar alto e gritar forte, mas ela não vai desaparecer como a fumaça do banheiro. Sua marca de batom vai ficar registrada na minha xícara de zebra, seu sopro leve vai deixar meus talheres sobre a pia e seus passos pontuados vão amassar o que sobrou da festa. A sujeira continua lá. Bem no cantinho do lado bom da cama. Próxima ao interruptor e dentro do carro. A sujeira mora em mim e varre o que houver ao redor. Ela se sente à vontade no meu guarda-roupa e pesa a bolsa de mão. Já avançou para os novos cômodos e aos finais de semana habita a sala e a cozinha. Ontem achei um pedaço de azeitona dentro do lixo do carro. Ela sobreviveu mais de um mês e não cheirou mal. Eu prometi não tirá-la dali, mas ela desapareceu. Desapareceu naquilo que eu mesma criei como o ticket do estacionamento, o comprimido, a garrafinha d?água, o cartão do celular, a alça do sutiã, a trufa, o recibo, as chaves…