Pietro Kallef: Alzheimer É um velho sem rosto Sentir…

Alzheimer

É um velho sem rosto Sentir certos desgostos e falar coisas sem nexo. É sala de estar, sem estar. Ouvindo o chiado da TV e ser incompreendido por não recordar. De pé, sentado ou deitado. Pouco importa esse estado, sou um móvel de madeira. Às vezes eu entendo o rumo da conversa, mas conduzo a imbecilidade para não transparecer a rara lucidez. Não quero histórias de ontem, quero que o sol hoje apareça e toque a face quieto. Pode invadir meu corpo, mas deixem minha alma. Não me perguntem nomes e o que cada qual representa – isso me deixa irritado. Posso agredi-lo com a bengala ou palavras duras, mantenha uma distância segura. Eu também faço isso. Sempre quero fugir daqui, porque me sinto preso. Ainda tenho sentimentos, e sei discernir o amor de desprezo. O fardo é pesado e lhe peço por favor. Não se recorde do que me tornei, apenas tente buscar uma lembrança boa. Uma que te faça sorrir. Despeço-me antes que eu esqueça. Estou aqui sentado na varanda, venha me ver. Sei que não é hora de comer, e digo sobre me abraçar fora das obrigações. Te quero assim, involuntariamente. Amanhã, se eu ainda estiver leia este bilhete, não para me fazer relembrar o que escrevi. Sim, para te fazer sentir que eu existo.

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