Sagração
Era uma tarde chuvosa de fevereiro, a janela aberta revelava um céu alvacento enquanto escutava melodias suaves de piano e flauta. Uma poetisa apareceu-me de repente. Uma senhora nascida num final de primavera. Conversamos. Ela declamou-me poesias e, como mágica, as palavras tinham cores e sons. Eu disse a ela que seus versos me falavam de Deus. Confessei-lhe também que a poesia é mais redentora que os dogmas da religião. A senhora sorriu um sorriso interrogador aguardando a minha explicação. Respondi que os dogmas são sempre certeiros. Infalíveis. Escritos por teólogos que sabem definir o Mistério. A poesia não. A poesia não define o Mistério, a poesia o torna sagrado. E em seguida o lança nos ares do imaginário. Os teólogos sangram a vida com preceitos. Os poetas, ah, os poetas sagram a vida que o teólogo sangrou. Então a senhora dos versos sagrados se lançou no desconhecido de minhas próprias palavras e desapareceu.